
As minhas janelas estão vibrando.
Parece até que os vidros vão cair. A quem mando a conta por tanta felicidade?
14 de setembro de 2008, parada gay na Avenida Sete de Setembro, em Salvador.
Eu já ia me esquecendo da felicidade, mas eles me apareceram gritando enquanto eu lia um texto.
Perto da praça, gritam que a Piedade é gay, a Avenida Sete é gay, São Jorge é gay. De fato, este é o dia em que se pode beijar à vontade, andar de mãos dadas neste circuito, sofrer assédios despudorados... muito além de vestir uma camisa listrada e sair por aí.
O carnaval que me perdoe, mas a parada gay o superou. É mais justa: não possui cordas para a felicidade, é a festa honrada em que tocam hinos tristes para relembrar quantos morreram por preconceitos, tocam em feridas, auxiliam os pais e, no final, sabem rir de si mesmos. Contém memória e dor nesse container, mas eles perlaboram Oswald: fazemos é transcarnaval.
O corpo carnavalizado entra em mutação, assume o lado queer, puxa os outros, cria gritos de guerra, tocam músicas impossíveis.
É o arrastão puro, mais que levar algo de alguém, deixa, deixam, deixo... pra que atender telefones que tocam tanto? Não ouvirei nada, pois a parada aqui em baixo dos meus ouvidos treme as minhas janelas, faz caírem os shampoos do banheiro. Eles andam seminus em plena tarde de domingo-camp primaveril. Só isso importa.
No ano que vem, sairei fantasiada nessa festa. Quero bilhetes com telefones amorosos, de homens-mulheres, crianças, cachorros e senhores. Quero uma meia arrastão bem rosa, uma bota vinho e uma peruca verde-loira, linda, para eu poder brilhar como uma Xuxa, a fantasia que eu sempre quis quando criança, bem bota de verniz, até as coxas, com muita cor, muita purpurina e glíter, cores chocantes.
Descubro, domingo de uma tarde imprevisível, que é esse o sentido da vida: sair mesmo do armário. Do armário do amor, das amizades, das relações empacadas, dos textos estéreis, das dicas erradas. Quantas conversas em que só ouço uma voz.
Os gays hoje falaram tanto-tanto-tanto no meu ouvido que eu, enfim, escutei algo bem próximo e esquecido: era pra brilhar, para sair nas ruas sem medo, para declarar sorrisos grátis...
Alguma coisa no meio do caminho...a vinda errada, tudo que eu não quis...se colocando presente de uma forma abusada. Os gays sambam lá fora. Aqui dentro, toda a louça se move. Eu fico admirada, sorrindo, único movimento que posso agora, não me peça mais, olhando tudo de longe pela varanda.
Côo café e asso pão de queijo. Faço um brinde à coragem performática, a todos os tipos de coragens performáticas: aos que saíram de casa e não tem mais para onde voltar e ainda moram de aluguel (importante frisar isso!), aos que escrevem misérias ilegíveis, aos que só conseguiram se assumir por um dia, às infinitas possibilidades de se envelhecer só e ser feliz. Aos pares trocados. Eles já passam de 500 mil, dá para ver pela janela. Eles ultrapassam as nomenclaturas. E são bem mais que 300, 350...que toda parada, em movimento ou não, circulará do infinito sempre ao infinitesimal, constante.
Parece até que os vidros vão cair. A quem mando a conta por tanta felicidade?
14 de setembro de 2008, parada gay na Avenida Sete de Setembro, em Salvador.
Eu já ia me esquecendo da felicidade, mas eles me apareceram gritando enquanto eu lia um texto.
Perto da praça, gritam que a Piedade é gay, a Avenida Sete é gay, São Jorge é gay. De fato, este é o dia em que se pode beijar à vontade, andar de mãos dadas neste circuito, sofrer assédios despudorados... muito além de vestir uma camisa listrada e sair por aí.
O carnaval que me perdoe, mas a parada gay o superou. É mais justa: não possui cordas para a felicidade, é a festa honrada em que tocam hinos tristes para relembrar quantos morreram por preconceitos, tocam em feridas, auxiliam os pais e, no final, sabem rir de si mesmos. Contém memória e dor nesse container, mas eles perlaboram Oswald: fazemos é transcarnaval.
O corpo carnavalizado entra em mutação, assume o lado queer, puxa os outros, cria gritos de guerra, tocam músicas impossíveis.
É o arrastão puro, mais que levar algo de alguém, deixa, deixam, deixo... pra que atender telefones que tocam tanto? Não ouvirei nada, pois a parada aqui em baixo dos meus ouvidos treme as minhas janelas, faz caírem os shampoos do banheiro. Eles andam seminus em plena tarde de domingo-camp primaveril. Só isso importa.
No ano que vem, sairei fantasiada nessa festa. Quero bilhetes com telefones amorosos, de homens-mulheres, crianças, cachorros e senhores. Quero uma meia arrastão bem rosa, uma bota vinho e uma peruca verde-loira, linda, para eu poder brilhar como uma Xuxa, a fantasia que eu sempre quis quando criança, bem bota de verniz, até as coxas, com muita cor, muita purpurina e glíter, cores chocantes.
Descubro, domingo de uma tarde imprevisível, que é esse o sentido da vida: sair mesmo do armário. Do armário do amor, das amizades, das relações empacadas, dos textos estéreis, das dicas erradas. Quantas conversas em que só ouço uma voz.
Os gays hoje falaram tanto-tanto-tanto no meu ouvido que eu, enfim, escutei algo bem próximo e esquecido: era pra brilhar, para sair nas ruas sem medo, para declarar sorrisos grátis...
Alguma coisa no meio do caminho...a vinda errada, tudo que eu não quis...se colocando presente de uma forma abusada. Os gays sambam lá fora. Aqui dentro, toda a louça se move. Eu fico admirada, sorrindo, único movimento que posso agora, não me peça mais, olhando tudo de longe pela varanda.
Côo café e asso pão de queijo. Faço um brinde à coragem performática, a todos os tipos de coragens performáticas: aos que saíram de casa e não tem mais para onde voltar e ainda moram de aluguel (importante frisar isso!), aos que escrevem misérias ilegíveis, aos que só conseguiram se assumir por um dia, às infinitas possibilidades de se envelhecer só e ser feliz. Aos pares trocados. Eles já passam de 500 mil, dá para ver pela janela. Eles ultrapassam as nomenclaturas. E são bem mais que 300, 350...que toda parada, em movimento ou não, circulará do infinito sempre ao infinitesimal, constante.
3 comments:
Bom demais te ler neste fim de domingo. Saudades de você. Tudo de bom amanhã, e sempre. Beijos, M.
oi, adoro ler isso.
bjos
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coisa boa o texto.mt
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