Thursday, February 01, 2007

dentro do Praça da Sé

Aconteceu uma coisa outro dia que podia virar tragédia, mas acabou virando uma coisa engraçada da vida. Um homem, dentro do ônibus, tirou uma peixeira de repente e decidiu por espontânea vontade que iria matar todo mundo que estivesse ali, que ia enfiar facão em um por um, porque a mulher que ele amava, aquela vagabunda, o tinha deixado. Ele falava com uma virulência violenta e então eu entendi que, como ele tinha perdido a mulher, ninguém mais tinha direito de sorrir naquele território porque ofendia seu corpo. O território corpo!, já que não se tem terra alguma pra viver. Parecia um épico às avessas. O épico de cada um que estivesse lá. O fato mais grandioso que podia acontecer nas nossas vidas e que nos colocava em limite tênue com a morte. A gente ia pagar o preço da dor do outro. Ninguém deu palavra. Parecíamos aceitar toda aquela maluquice. No fundo ou no raso, pensei que ele tinha razão, que era de direito eu morrer ali, que ele podia mesmo nos matar e que não teríamos tristeza por antecipação. Morríamos para expurgar do coração do homem a falta de território, de identidade, a falta da falta. Somos todos pachucos, somos todos nem índios, nem negros, nem brasileiros, essa raça equivocada, desleixada e bela. Raça de semeões e não de ladrilhos. O facão era o norte para me apontar um caminho, que nem passava perto da morte. A morte, o norte, a sorte. Foi então que uma mulher se levantou e saiu como se nada tivesse acontecido. Aconteceu alguma coisa? Ou isso é história pra não interromper a narração? Conversa. Tudo palavras que vêm na sincera da boca. E à vera. A vera euripedes, a vorley amélia, o valcir barnanulfo e a velza maria. São irmãs do meu pai. Narrativas de uma genealogia que não me pertence. No ônibus, tem coisa que só acontece com quem anda nele. É preciso estar lá dentro pra existir. Um pouco de estrelato, de coadjuvante. O som da roleta na hora que passa, a freio forte do motorista que te faz tomar providências rápidas. A vida bate dentro dos ônibus. Enquanto se lê, se escreve, se devaneia. E a gente vira coadjuvante eterno da vida. Todos podiam ter morrido lá. Aquela era a nossa palestina.

No comments: