Tuesday, April 26, 2016

Eu vou de Michael Kohlhaas

Se acontecer o golpe que estão querendo dar,
vamos sair por aí e, no calor das emoções, poderemos até quebrar tudo.
As manchetes dos dias seguintes noticiarão - pudicas - que o povo é violento.
O povo é que é violento?
Violento é o mundo.
É o golpe, é a ponte que cai, é o dinheiro da merenda desviado, é o conservador deliberando retrocessos morais, é a notícia parcial - sempre parcial, é o seu país ter sido estuprado pela história de há tempos e de hoje. É lama tóxica escorrendo rio abaixo, rio acima, há meses. É a tensão da Casa Grande e da Senzala, incansável, sempre presente porque se quer, e muito, que exista Casa Grande. E Senzalas.

O piquete é uma convocação. Ele te faz olhar grande para a grande narrativa que é o mundo. Ele te faz odiar o mundo que você tanto ama, servil. Porque somos todos uns odiados, desprezados, e vamos acabar todos na merda se não acabarmos logo com isso.
Por isso, não serei eu a violenta.

Violento é o mundo.




Thursday, December 10, 2015


enquanto você sorri dormindo,
o único arrependimento
é o de não se ter ao lado
um cameraman para capturar nossos momentos mais lindos.




Tuesday, December 08, 2015

Terapia

No analista suportamos ouvir o que talvez os nossos melhores amigos nos dissessem. Mas estes sempre pareceriam insuportavelmente cruéis.


"Estou vivendo de hora em hora, com muito temor. Um dia me safarei - aos poucos me safarei, começarei um safari." 1.8.83 (Ana Cristina Cesar. Poética.)


Monday, September 28, 2015

my bróder

Quando o instante sugere que se vire concha,
você se abre, oferecendo a mais linda pérola ao meu olhar.
O mundo, então, se faz outro para nós.
Esqueço os problemas que atam os nós e me repouso apenas no sentimento.
E se o vão de uma certa palavra se insinua demorado demais,
entendo,
para te explicar simples:
o que dói
é a eternidade dos estados.






Saturday, July 25, 2015

Uma felicidade estranha

já é setembro no meu coração
e agosto ainda não chegou.







Thursday, October 30, 2014

Primeiro Congresso Nacional de J.L.J.C.

No Pará também se toma café doce.
A melhor coisa que eu comi no primeiro dia foi uma coca-cola.
No dia seguinte, almocei sorvete de Bacuri e
juro por deus e pelos crentes todos do mundo:
nunca tomei um sorvete tão gostoso.
Estou boicotando a apresentação da mulher que está na minha mesa.
Finjo que faço anotações.
Ai, como é chato falar de literatura assim.

Então, eu prefiro rabiscar o nada.

Wednesday, September 10, 2014

Para Ana Cristina Cesar

aquela vez,
quando eu tinha 20 e poucos anos,
um vizinho colocou um bilhete embaixo da minha porta.

amigos:
nunca façam isso com uma mulher.
eu era uma menina, morando sozinha.
como eu poderia ler aquele bilhete de amor-interessado
sem sentir medo?




Tuesday, August 26, 2014

E se eu tivesse um martelo...

Faço perguntas subjetivas à internet
e tenho respostas satisfatórias, apesar da imprecisão do meu caso.

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Meu livro comprado no sebo veio com algumas páginas arrancadas e uma declaração de amor,
que pouco entendo,
no meio dele.
Gostei da ideia,
mas vou reclamar na estante virtual mesmo assim.












Thursday, August 21, 2014

Colonização

10 anos depois e o vendedor de frutas ainda é o mesmo
daqueles meus tempos no Comércio.
A faculdade, sem ciência e sem tecnologia,
felizmente, já não está por lá.
Um raro caso em que o bom permanece e o ruim se esvai.
E a Bahia...
Ah, a Bahia se acabou no dia em que os portugueses invadiram o Brasil...



Sunday, August 03, 2014

minha avó era uma pessoa cheia de opinião.
me assusto em pensar que ela morreu sem que fosse consultada.
uma vez perguntei se ela achava melhor morrer.
ela fez que sim com a cabeça, seus olhos foram olhos sinceros no desejo.
esse olhar, eu nunca esquecerei.

minha avó foi uma incompreendida.
depois que perdeu a autonomia da razão,
deu para ter medo de tudo, e as pessoas se cansavam dela com facilidade.
irritadas, preferiam evitar voltar.
eu me gastei muito.
eu me cansava também. mas eu preferia um acordo com ela, dizer onde foi que ela errou (se é que ela havia errado, ou era muita falta de autonomia, de firmeza no andar entre AVCs imperdoáveis), e, depois, íamos tomar café juntas ou ela enchia a minha bolsa de chocolates.

eu não comia mais os chocolates.
eu avisava para ela que eu já não comia mais tanto doce como quando era criança.
mas eu acho que para a minha avó eu seria sempre uma criança.

hoje (hoje mais),
eu senti uma saudade bruta da minha vó.
vó,
que era como eu a chamava.
senti vontade de abraçá-la, de dormir mais uma noite com ela.
de dizer que ela era uma pessoa de muita opinião, e que por isso as pessoas se afastavam, porque ela era uma pessoa intensa.
eu queria dizer que eu sempre gostei da intensidade dela, mesmo quando ela se colocava piegas diante dos meus olhos.
eu estou chorando agora.
porque sei que ela sabia dessa intensidade e não conseguia evitar e que era o mais bonito que ela tinha e que nos podia oferecer.
sempre conseguimos rir disso juntas.

mas agora ela morreu,

e eu estou sozinha e não consigo mais rir com ela das suas intensidades.




Wednesday, July 30, 2014

lágrimas

uma vez,
quando eu fui mergulhar
de cilindro,
eu afoguei,
porque
era
algo
muito preciso
esse negócio de
lembrar
de respirar.


Monday, June 30, 2014

e a única coisa
que eu deveria fazer
para o resto de toda a minha vida
seria
ler
poemas
em
voz
alta.


Leila Danziger. Diários Públicos.
(para quem ama estar entre imagens...)






Thursday, June 12, 2014

email



Talvez,
perdoar seja o mais difícil.
A maior impossibilidade.
E quantas vezes não perdoaremos. E pediremos perdão dobrado.
E por quantas vezes recairemos nos mesmos erros, simples,
como a vida: cheia de armadilhas.
A vida é uma armadilha de desesperos.
É preciso, às vezes, arrancar tijolos das paredes para procurar - onde quer que se esconda - o perdão.
(Ventilar gentilezas, trocos de credulidade.
E apostar nas migalhas.)









Tuesday, May 06, 2014

Pequena história da solidão



a solidão não é.


Escultura de Flávio Cerqueira.


Tuesday, April 29, 2014

Destino

as carteiras para estudante
são azul yves klein
antes de o azul yves klein
ser moda.

as carteiras para estudante
receberam aquele corpo crítico-apático.

as carteiras de azul yves klein
sorriram frouxas.

e perderam um pouco da cor.





Tuesday, April 15, 2014

Poema para Angélica Freitas


Uma mulher limpa
demora muito tempo
para estar limpa.

É preciso lavar os cabelos.
O cabelo é muito.
É preciso arrancar os pelos,
esmaltar as unhas,
arrancar as cutículas,
depenar os pés.

Uma mulher limpa
demora muito.
E vale tanto quanto
- ah, vale -
vale tanto quanto
uma mulher
estranhamente

suja.


Sunday, April 06, 2014

o que fazemos quando estamos a sós

dando aula,
escrevo o nome de um autor
que eu amo muito
no quadro,
e o circulo.

olho bem para ele e penso,
em um segundo,
 _ _ _ _
que eu deveria ter feito um coração ao invés de um círculo.

mantenho o círculo, sentindo o peso da respiração dos alunos logo atrás,
e resolvo redesenhar um coração somente quando estivermos,
eu e ele, novamente, a sós.














Monday, March 24, 2014




"[...] escrever por intermédio de slogans: faça rizoma e não raiz, nunca plante! Não semeie, pique! Não seja nem uno nem múltiplo, seja multiplicidades! Faça a linha e nunca o ponto! A velocidade transforma o ponto em linha! Seja rápido, mesmo parado! Linha de chance, jogo de cintura, linha de fuga. Nunca suscite um General em você! Nunca ideias justas, justo uma idéia (Godard). Tenha ideias curtas. Faça mapas, nunca fotos nem desenhos. Seja a Pantera cor-de-rosa e que vossos amores sejam como a vespa e a orquídea, o gato e o babuíno." 
 (Deleuze e Guatari. Mil platôs, vol. I, p. 36)


Sunday, March 23, 2014

Postais


Preciso de uma parede grande.
Uma parede grande e vazia.
De qualquer cor.
Irão nela fotografias,
traços, conexões, rabiscos,
ideias fragmentárias,
na tentativa de um grande mapa
sobre o pianíssimo
das vidas,
em pó de couro,
que estudo.





Tuesday, March 18, 2014

salmo 46. eu suspendi a respiração para ler. fiz pausas forçadas.
Li em voz alta. Ela sabia o primeiro versículo de cor.
Depois, ela rezou só por mim.
No final, fez um adendo. Pediu a outros poucos, que os perdoasse.

Depois fomos ao salmo 71.
E ele foi todo direto ao ponto:
não me rejeites na minha velhice,
quando me faltarem as forças.