Sunday, August 03, 2014

minha avó era uma pessoa cheia de opinião.
me assusto em pensar que ela morreu sem que fosse consultada.
uma vez perguntei se ela achava melhor morrer.
ela fez que sim com a cabeça, seus olhos foram olhos sinceros no desejo.
esse olhar, eu nunca esquecerei.

minha avó foi uma incompreendida.
depois que perdeu a autonomia da razão,
deu para ter medo de tudo, e as pessoas se cansavam dela com facilidade.
irritadas, preferiam evitar voltar.
eu me gastei muito.
eu me cansava também. mas eu preferia um acordo com ela, dizer onde foi que ela errou (se é que ela havia errado, ou era muita falta de autonomia, de firmeza no andar entre AVCs imperdoáveis), e, depois, íamos tomar café juntas ou ela enchia a minha bolsa de chocolates.

eu não comia mais os chocolates.
eu avisava para ela que eu já não comia mais tanto doce como quando era criança.
mas eu acho que para a minha avó eu seria sempre uma criança.

hoje (hoje mais),
eu senti uma saudade bruta da minha vó.
vó,
que era como eu a chamava.
senti vontade de abraçá-la, de dormir mais uma noite com ela.
de dizer que ela era uma pessoa de muita opinião, e que por isso as pessoas se afastavam, porque ela era uma pessoa intensa.
eu queria dizer que eu sempre gostei da intensidade dela, mesmo quando ela se colocava piegas diante dos meus olhos.
eu estou chorando agora.
porque sei que ela sabia dessa intensidade e não conseguia evitar e que era o mais bonito que ela tinha e que nos podia oferecer.
sempre conseguimos rir disso juntas.

mas agora ela morreu,

e eu estou sozinha e não consigo mais rir com ela das suas intensidades.




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