Tuesday, February 07, 2012

Sobre a angústia de Tchekhov



Eu estou traindo todos os meus amigos. Por favor, me perdoem.

As manicures nunca saberão quem eu minimamente sou se continuarem na pressa de melhores empregos em outros salões. Mas insisto nelas, quero/ prefiro, narrar para um desconhecido, para os poucos “amigos” que acabo de fazer. Prefiro narrar para estranhos. Os amigos, sem aspas, terão de perdoar.

2011 foi um ano ruim.

Dele todo, só salvou um livro de John Fante, 1933 foi um ano ruim. O livro, pela opacidade cruel com a qual a vida nos trata, com seus esmorecimentos e suas reavivadas nas quebradas, é a luta diária com os sonhos. Lutamos com os sonhos, lutamos contra os sonhos. Porque eles contêm uma ideia maliciosa de nós mesmos. Sonhamos com algo maior, com o idealizável hitleriano, sonhamos com o céu. Mas por que não pode ser céu esse pouco que carrego comigo? Por que não pode ser esse radar que trago ligado para salvar vidas?

Ralei, tenho ralado, como um Dominic Molise. O que é possível almejar, se não pessoas mais sinceras ao redor? Eu não queria que isso ainda acontecesse: não o fato de não ser mais magoada, mas o fato de o meu coração ainda se enganar, quando na verdade, ele costumeiramente me indica tudo. Tudo é, neste caso, tudo. Pouco me engano quanto às pessoas, quanto aos olhares, quanto às negative vibrations. Mas algo de 0,0001% me deixou atônita. Eu deveria ter duvidado do nome, mesmo que este não seja um indício confiável, pois, afinal, o que é um nome? Mas não neste caso. Neste caso, um nome já era um indício de algo execrável. Desde a infância, desde as olheiras, eu sempre soube que os sujeitos que fossem abençoados por suas mães e pais com esses nomes teriam de carregar o fardo da minha ignorância sobre eles. E não tem como chamar esse dado por outro nome que não seja o de minha ignorância, pois é tudo em que consigo pensar neste instante. Mas os indícios duvidosos da minha ignorância não mentem e eu deveria ter me apegado mais a eles.

Bola passada para frente. Ninguém mais terá acesso algum sobre o dito-não-dito.

E quando se pensava que a preguiça quanto aos sentimentos acabaria ali, veio a vida, batendo, como sempre, soco na cara, no meio do buzú, no meio da sessão de acupuntura, no meio da volta para a casa, lá, bem na esquina que eu sempre me acostumei a dobrar, arrepiando os cabelos, fazendo curvas na história, buscando indícios, agora para outra história, para outros motivos, para compreender a própria vida e o que faltou fazer nela para tudo ter dado certo, quando não, não tinha mais jeito, agora nem pneumotórax, nem tango argentino.

Fui, amigos, fui. Fui tão vil que nem a um cavalo eu narrei.

Mas havia aquele conto de Tchekhov, em que o narrador, um cocheiro, tenta, a todo custo, contar sobre o filho morto aos passageiros. Ao final, a sua angústia só encontra os ouvidos do cavalo.

Não sem dor. Não sem dor eu me silenciei. Virou-se o ano e nada, nada muda de lugar, pois as coisas estão como estão, no mesmo movimento, independente de ano novo, velho, hoje ou amanhã, tanto faz. Vai ser sempre a velha e boa vida, te puxando o tapete e te fazendo carinho logo em seguida, depois, tapa na cara de novo. Seria essa a receita da felicidade que todos procuram e a providência divina está aí, esfregando na nossa cara e esfregando e esfregando?

Mas como Dominic Molise, eu ainda vivo eternamente o meu the day after, estado de atonia perpétua diante da vida, para tudo que ela tem de bom, para tudo que ela tem de ruim, porque é preciso, vai ser preciso, dar um último arremesso, fazer meu braço esquerdo funcionar com todos os seus linfócitos, um último e eterno arremesso, e, tenho certeza, esse eu tenho que fazer dar certo.

25.02.2012

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