
Folk
Tia Iracema,
Eu quero te dizer do meu amor. Quero que todos saibam desse amor. Esse amor que não é de filhos, nem de mãe. Amor cru, de sobras. Eu gosto da montagem eisensteiniana. Quero que meu leitor, expectante, seja conduzido, do começo ao fim, pelas suas longas mãos de anéis, mui alvas, como diriam os românticos. Mui belas. "Estes seus cabelos brancos" me conduzem ao supra-sumo do afeto. Mais uma vez: clichê. Amor. Universo irremediável.
Há muito não te escrevia, não tenho falado com você. Não coloco nada que me comova em uma página. Tenho sido imprestável aos amigos, mas meu pensamento é todo tomado por lembranças suas, com ardor. Seus pulmões, sua embolia, tosse, tosse, não diga 33.
Eu sei da sua angústia com os herdeiros ou a falta deles. Você nunca me contou e eu sempre soube. Talvez eu seja tão paciente com velhinhos por amor excessivo aos meus. Eu sei que quando você me oferece anel de ouro é por conta da impossibilidade de filhos e desse amor de sobras, tão forte, aos montes e em dobro.
Eu sei que isso é música aos nossos ouvidos, o telefone toca, longas conversas sobre a vida, e o tio?, vai sempre bem. Melhor que todos nós.
Te amo no ritmo e no compasso de Minor Swing, de Django Reinhardt. Você ia gostar de ouvir, nós colocaríamos o disco na antiga vitrola e toda a casa ouviria a melodia de um tempo antigo, dançando nos sentimentos de cada um que habita aquela casa, tão grande, tão imensa, tão bonita. E sem sentido nenhum sem você. Herança alguma faz sentido para um herdeiro como eu.
Você me ensinou a não amar as pratinhas. Sorriu. E com isso me mostrou que tudo é simples contorno com os lábios e as mãos. Toda a expressão do mundo está no seu olhar...alguma coisa de sentimento e de texto é que me parece interminável.
Ultimamente, apenas sua presença me bastaria para a vida toda.
3 comments:
estive aqui, pensando nos meus velhinhos...
um beijo
belo demais. beijos, môn
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