Era um fio de cabelo que eu queria jogar pela janela, só um fio de cabelo, preso à mão.
Fui à janela. Os lixeiros passavam pegando todo o lixo da cidade. Era tarde da noite. 1:46.
A rua cheia de balangandãs estava finalmente nua, limpa, na tentativa de recuperar a dignidade que perdera durante o dia.
Voltei à cena anterior. Preparava aulas para o terceiro mundo. Expressão démodé.
Logo, novo fio de cabelo entre os dedos. Era o mesmo? Era outro?
Fui novamente à janela. Um homem tentava catar comida.
Mas o lixo do grande espetáculo que é a rua, já havia sido recolhido.
Pensei em gritar pela janela. Descer com pães. Voltei para dentro do meu silêncio de classe mérdia.
Era o fragmento, o trecho de conversa entre amantes, a cena nua do homem nu, preto, vestido de preto, cabelos sem lavar, banho sem tomar. Por quanto tempo ainda?
Quanto tempo ele sujo? Quanto tempo, eu.
Pelas janelas, do alto de um apartamento fodido. Abandonando, com vergonha, a cena do crime.
1 comment:
gosto.
ainda não te vi. amigo comum me fala de você.
beijo !
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