Wednesday, September 12, 2007

Essa é para quem não viu: o Teatro Oficina, em Salvador em feriado pleno de chuva, como uma benfazeja que entrava em cena a todo instante, provocou, com a coragem de seus autores e atores, o corpo humano para outras linhas de mediação. Suspenso e forte, longas horas de cadeira para espectadores que se inseriam na cena, na medida em que queriam e eram convidados a querer... Mas a estrutura de um teatro com centros móveis garantia à platéia um ir e vir fortuito, de acordo com as necessidades e desejos de cada um. Para muito além dos corpos que se assentavam nas arquibancadas, as peças, que em alguns dias tiveram a duração de aproximadamente sete horas, propunham formas de interação com o corpo – aquele mesmo que até então ia sentadinho no tablado de madeira – para fórmulas, diria eu, quase primitivas de comunicação. Era o toque, a nudez tranqüila, o texto leve na língua que já roçou em Euclides, as cenas em coro – fazendo teatro grego com ternura e grandiosidade, as atualidades em pauta – a luta pela terra, por novas tecnologias afetivas, o corpo – ancião do tempo – fazendo dobras sem pudores, quebrando todos os tabus com genialidade irritantemente jovem.
A longa duração das cenas, de falas, do emaranhado do texto que é sempre entremeado por um viés de improviso – cenas que cheiram a improviso, mas o texto, as deixas...estão todas lá, marcadas em mais um roteiro do terceyro mundo – podem soar cansativas, demoradas, ato ou efeito de trazer o leitor espectante para as longas páginas de um livro-mundo, para as cenas em que ele se demora pouco no cotidiano. Os Sertões nos incita à terra, ao homem, à luta. À dor e à delícia. No espaço-corpo, os acontecimentos e os jeitos de relacionar esses elementos de formas múltiplas, com amor e com ódio, mas sem nunca esquecer que esse corpo é um templo: espaço do lúdico, do amor com o desconhecido, com o inimigo, poço de celebrações, de invocação para um transe coletivo, para o desvario da cena bem comportada de quem vai ao teatro para entrar e sair igual. Lá, você se sujará, se lambuzará, vai suar tudo, melar tudo, saliva e encontro de hálitos. Você pode cansar, o cóccix vai doer e, às vezes, nem parece que já passaram três horas e meia de espetáculo. Alguns levantam e vão embora durante o intervalo.
Mas a parada é, além de tudo, um encantamento com a história: a do sertão, de nomes que ecoam da loooooooonge Bahia, a do romance euclidiano, atual e vivo, a do Oficina e sua trajetória, sua luta por um espaço de terra com céu aberto, sua luta com seus homens que parecem sujeitos de ferro, a quem tomamos afeto durante os cinco dias de te-ato. Começamos a conhecer seus corpos, seus modos de fala, a virilidade de cada um, olhares que se encontram durante esses dias capazes de sorrirem discretamente de um para outro.
Mas isso tudo é bobagem. Bagagem mesmo se faz é vendo. Indo lá, oferecendo a vista e, depois, o corpo inteiro, pra compor junto uma peça em que todos são coadjuvantes. E principais.
Quem não viu, não seria nada bom morrer sem ver. Pode até não gostar, porque o lance eviscera várias polêmicas e talvez um corpo ou outro já esteja por demais arraigado nos valores cristãos, no ocidente, na verdade absoluta de quem entende ou pensa entender o que é arte. Esse teatro não é perfeito e nem tem a pretensão/intuito de ser. E na sua imperfeição de formas, chega ao encontro de uma suavidade na qual o nu das nossas sensações parece ser o convite perene e terno para o irremediável de um corpo muito mais belo assim. Sem.
Essa é para quem viu: o Teatro Oficina, esse sim, Pulsa.

3 comments:

Anonymous said...

ana, pena que eu perdi.

Vitor Freire said...

mecânicos cênicos, macacos incendiários. Irei filmar no teatro oficina semana que vem. fiz uma busqueda e te encontrei.

Ana Poema, deixo meu aceno.

Um beijo distante de eterna curiosidade.

Pita said...

E então, encontro todas essas palavras vindas de você. que delícia! Que saudade de ler você, que prazer.